O Fim de Todas as Coisas

Author: Unknown /








O Fim de Todas as Coisas



Enfim o dia final chegou. Via-se no céu o asteroide a se aproximar: belo, silencioso... mortal. Chocar-se-ia com a Terra em pouco tempo e assim, poria fim em toda a existência.

Cada construção ou monumento, humano ou natural, cada grande feito da ciência, religião ou artístico, cada amor, possível ou impossível, cada lágrima, de choro ou de alegria... tudo se apagaria em alguns de segundos e algumas extasiantes explosões.


Eva permanecia sentada na borda do lago Nedé. Quanto tempo passou ali desenhando o pôr do sol ou se maravilhando com os astros? Tão distantes... talvez agora se vingassem de sua teimosia no bisbilhotamento. Talvez a beleza das estrelas fosse tão cara, que fosse demais para um ser insignificante como Eva ter aquilo ali, a cada noite, de graça.


Com a notícia do asteroide o mundo enlouqueceu em poucos dias, mortes, suicídios, assassinatos, casamentos, traições, amores repentinos, juramentos infundados... A Terra tornou-se intensa como as chamas, o pavio das rédeas sociais se queimou, inflamou-se, tornou-se fumaça ao vento.


Para a garota órfã e milionária sentada na margem do rio, tudo aquilo não passava de tempo perdido. Viveu toda sua curta vida em casa, sem amigos, sem parentes, que não fossem os que surgissem em busca de suas riquezas: exceto um.


Titã fora seu cachorro há tanto tempo que parecia ser mais velho que ela. Eva orgulhava-se de lembrar em cada sorriso, em cada lágrima da presença do ser mais importante em sua vida. Aquele que estivera ali em seus primeiros passos, suas primeiras palavras, seu primeiro amor...


Criada por empregados e babás a menina desconhecia qualquer forma de empatia humana, o que a fez afastar-se por prudência, talvez sabedoria. E nas últimas semanas de suas vidas, ela liberara cada daqueles empregados, para que procurassem seu próprio conforto, naqueles que eles mesmos amavam, para que pudessem deleitar-se com o amor, como uma rosa que nasce no jardim durante o inverno, distante de tudo, quase imperceptível, mas memorável.


Titã abaixou as orelhas e sentou-se para fitar a lua que nascera no início da noite. Foi estranho notar que o mundo continuava seguindo seus rituais, como se não soubesse de seu destino iminente, ou soubesse e isso não fizesse a mínima diferença. Eva deixou-se viajar pelos pensamentos um pouco.


Talvez se cada humano da Terra soubesse há mais tempo que suas vidas poderiam terminar em poucos dias, eles fossem mais felizes, assim como o sol continuou a brilhar no horizonte, assim como as gotas da chuva caíram normalmente, para molhar as sementes que nunca germinariam, para formar círculos no rio, que nunca seriam vistos, peixes que nadariam pela última vez, os pássaros se alimentando em seu último banquete no campo...



- Eu gostaria de saber como me despedir. - Começou Eva, com a voz já embarcada. No céu o brilho do algoz já surgia ameaçador, nunca assustador, quase belo. – Mas não sei se poderia compreender, mesmo que conhecesse as minhas palavras.


Titã deitou-se sobre o colo da menina, como se quisesse consolá-la.


- Talvez se não tivesse te encontrado no campo, eu nunca saberia o que é ser feliz, talvez o tempo me fosse tão mais lento e torturante, talvez eu não tivesse um amigo. – A primeira lágrima surgiu de seus olhos, mas ela a conteve antes de tocar no cão. – Torço para que nos encontremos novamente, torço para que não sinta dor, mas sinta minha falta, pois os segundos passarão como séculos sem você.


Eva acariciou o topo da cabeça de Titã, que fechou os olhos aceitando o afago, devolvendo o carinho com uma lambida na mão direita.


O meteoro tornou-se uma segunda lua, iluminando o fim da tarde como se fosse dia. Gigantesco, desleal, talvez charmoso. Os cientistas o chamaram de Fim, os religiosos o chamaram de Deus, mas Eva nunca lhe dera um nome, para que o trabalho de nomear algo diante de tão pouco tempo a se aproveitar?


A menina deixou-se cair na grama, depois fitou o céu, tomado de raios coloridos e tanta luz, tanta luz... Dali não ouvia gritos de desespero, ou orações devotadas, dali não ouvia qualquer resquício de civilizações ou tragédias, guerras, mortes, acidentes ou tristeza. Ela permitiu que seus últimos segundos de existência fossem seu mais relaxante abraço em seu cachorro, o eterno companheiro, sua metade, encontrada diante de bilhões de peças do mesmo quebra-cabeça, que ninguém poderia ousar montar.


- Olha o que você faz por mim Titã. - Começou ela enquanto o planeta se desfazia de forma embasbacante, o cão ergueu as orelhas ao ouvir seu nome. – Me faz sentir completa, segura e especial. – sua voz falhava a cada palavra. - Mesmo no fim dos tempos, nem mesmo a morte me põe medo, nem mesmo o fim é definitivo.


A explosão foi tão impactante que queimou todo o ar da atmosfera, impedindo que o ensurdecedor desastre fosse ouvido. Bilhões de almas foram dizimadas, algumas em uma palpável tristeza, outras em desespero, outras em louvável loucura, mas uma delas, duas exatamente, distantes do resto do mundo, na margem de um rio, insignificantes como uma gota numa tempestade... essas duas almas delicadas, terminaram na mais absoluta e irrefutável... Paz.




Se o mundo acabasse agora, você poderia dizer que foi realmente feliz?

A Era das Cinco Espadas 7

Author: Unknown /

Bons ventos!

Relembremos o que se passou na Tribo:

Krono Morbaar veio do Mar Sem Fim ao Reino Gelado, contrariando seu pai e irmã, em busca de certa espada... GAIA.

Ele imagina que ela esteja com Willard, o rei gelado, mal sabe ele que um certo garoto da tribo...









Capítulo 6

A Tribo

A escuridão pálida da tribo nem começara a dissipar quando uma trombeta soou derrubando neve das árvores mortas. Imediatamente ouvia-se nas ocas centenas de pequenos ruídos de pessoas se arrumando disciplinadamente. Pouco tempo depois uma fila indiana formava-se no centro. Assim começava mais uma caminhada até os campos de descongelamento, mais uma fila ao abatedouro de almas. Um aglomerado de zumbis buscando tesouros para o rei gelado, tão quente em seu castelo, de coração tão frio quanto a brisa que castigava os trabalhadores. Qualquer ser desprezível que se arriscasse em fugir, ou sair do perímetro proposto era punido de forma severa.

Na tribo, ao centro de mais de duzentas ocas, em uma pequena elevação no gelo repousava uma estátua de um homem imponente, ostentando na mão direita uma espada e na esquerda: o mundo. Era o rei Willard Dnuthy, pomposo e corajoso, filho dos Deuses do Inverno, e soberano até o fim de sua vida, quando o seu descendente assumiria o reino.

Atrás de Coração Gelado, protegida pelo castelo encontrava-se a Cidade Gelada, construída de pedras e gelo, era o lar da corte, dos homens poderosos e ligados à família real, casarões gigantes e aquecidos por chamas a cada metro, que brigavam com a escuridão da lua escura. Na Cidade Gelada o silêncio era estarrecedor, as pessoas não saiam nas ruas, salvo para ir ao castelo em eventos especiais. A vida ali era sofisticada, reflexiva e solitária.

O vento mudou de direção, chicoteando o outro lado do rosto dos trabalhadores. As filas pareciam intermináveis, seguidas de perto por alguns Observadores, que os guiavam pelo caminho. Estavam todos em silêncio fúnebre, vestidos com pesadas peles esfarrapadas e encardidas. As ocas, com suas paredes arredondadas feitas de gelo, ostentavam nas saídas os filhos ou velhos demais para o trabalho, eles despediam-se em silêncio, aguardando que a sorte lhes devolvesse seus pais ou irmãos, munidos de algum alimento ou, quem sabe, munidos de suas vidas.

Ao centro da tribo, longe do pedestal onde dormia a estátua do rei gelado, podia-se ver uma outra, embora mais realista.  Era uma mulher de carne que se apoiava no vazio. Alguns a encararam tristemente ao passar, outros apenas a ignoravam, talvez em reprovação, talvez por medo. Mais um cadáver para provar o castigo dos deuses.

O frio parecia congelar o ar, que todos respiravam com dificuldade, expelindo jatos de vapor uns nos outros.  O breu nos céus se tornara de um azul escuro triste, quando todos pararam diante dos portões de gelo sólido.

Um a um os trabalhadores começaram a descer pela cratera, o cuidado lutando contra o desespero. Na entrada guardas indicavam o nível para cada um deles.

Dentre as centenas de moribundos caminhantes estava Krono Morbaar. Cabisbaixo, ele tentava chamar o mínimo de atenção possível. O viajante ajeitara-se com uma família qualquer da tribo, ali não mediam a ajuda ao próximo, mais braços para trabalhar não eram negados.

Ele desceu pelas escadas de forma desconfortável, os dedos queimavam por conta das luvas esfarrapadas que conseguira, às vezes pareciam rochas de tão endurecidos. Perder partes de si parecia moda entre os trabalhadores, todos exibiam dedos em pedaços, alguns mancavam em pés de pedra colocados no lugar do de carne. Mulheres caminhavam sem uma das orelhas, ou carregavam suas pesadas marretas no único braço que lhes restava, eram humanos em frangalhos, defeituosos lutando por permanecer assim, vivos ou não, completos ou famintos.

Krono ficara com o sexto nível, com mais trinta pessoas, que logo se apressaram a cavar nas paredes translúcidas. Era proibido cavar no solo, a não ser em ocasiões de abrir novas jazidas para exploração. Todos trabalhavam em silêncio para poupar suas forças, e bem no alto havia miras nas cabeças de cada um, um movimento fora dos trilhos e um crânio se espatifava com uma bala d’água. Essa era a lei.

A lua clara chegou ao centro do céu entre marretadas e suspiros de cansaço. Alguns homens desmaiavam vez ou outra, então um dos guardas descia e o levava embora, sem trabalho, sem ração diária.

 Krono bateu sua picareta com força no gelo sem esperança, tinha passado o tempo todo no mesmo lugar e só encontrara rochas ou mais gelo. Ao seu lado trabalhava uma mulher pálida com cortes por todo o rosto, ela apoiava-se na parede como se fosse desmaiar a qualquer momento.

Ele tentou segurá-la, mas era tarde demais, ela desabou sobre o gelo em um baque úmido. Krono ajoelhou-se para fitar os olhos neutros e sem vida.

“Morta. ”

 No mesmo instante um cesto apoiado por cordas de couro encostou sobre o solo. Alguns homens ajudaram o viajante a colocar o corpo sobre o cesto, depois ele foi elevado até a superfície.

“O que estou fazendo aqui? ”

Krono bateu mais uma vez contra o paredão, quando um pedaço grande de neve despencou sobre seus pés. O homem mordeu os lábios para não gritar. Quando conseguiu libertar do gelo suas botas de couro seco, notou um objeto vermelho, embora sua cor já estivesse desaparecendo aos poucos. 

Imediatamente uma luz vinda do topo iluminou seu nível, enquanto os trabalhadores se amontoavam em volta. Estava ali, e ele mal podia acreditar, um objeto do tamanho de suas mãos unidas, parcialmente descascado. Era arredondado e no centro podia refletir com perfeição o rosto de Krono.

O homem abaixou-se e pegou o objeto, que estranhamente não era gelado. Depois o elevou até o topo da cabeça, para que a luz pudesse vê-lo melhor. Todos de seu nível começaram a aplaudir compulsivamente. Krono não sabia, mas todos ganhariam uma pequena porção de alimentos por conta de seu achado. Era de gelo quente, especiaria rara vinda de Othomora, nas terras malditas.

“ A sorte pode vir disfarçada de prenúncio à desgraça. ”

“Vai-te embora pai, deixe-me sorrir ao final de um dia tão maldito!”

Ao fim da tarde todos voltaram murmurando em suas filas. No céu, uma aurora esverdeada brindava à lua escura. As filas retornaram à Tribo, ainda mais exaustas do que partiram.

Assim que Krono adentrou sua oca carregando consigo peles recheadas de rações, uma pequena família o encarou a olhos firmes. Ele foi abraçado por duas crianças, filhas dos moradores que o aceitaram ali. A mãe o agradeceu, o marido o cumprimentou. O afeto durou tão pouco que logo o frio tomou novamente os ouvidos com gritos de angústia.

“Não se torne frio como o mal que o assola lá fora. “

“Você vem do mar, do mar sem fim...”

Do lado de fora uma pequena nevasca se iniciava, ventos agudos, vozes no escuro, feito uma criança pedindo por sua mãe. O patriarca sentou-se à mesa, lembrando-se de dias passados, quando ouvia os gritos da garota Darina, enquanto sua mãe era banhada por água líquida no frio congelante da lua escura. Ninguém podia sair, alguns prendiam a respiração. Guardas bateram na garota enquanto Maren virara uma estátua, depois a levaram embora. Talvez tivesse encontrado a morte, ou talvez o sofrimento ainda não tivesse acabado.

Krono viu o homem afastar seus pensamentos ruins quando um pedaço de gordura quente foi derramado em sua cunha de pedra polida. Ele comeu devagar para enganar sua fome cortante, depois foi deitar-se na cama feita de peles. Todos dormiam juntos para se aquecer e logo o breu da lua escura devorava da visão qualquer luz vinda de longe.

Algum tempo depois o patriarca levantou-se e depois a esposa. Krono não dormira dessa vez, pensando no objeto fascinante que encontrara e os viu caminhar até os portais de saída.

“Não me diga que já é tempo de levantar? “

Não era. O viajante levantou-se e os seguiu. Lá fora uma procissão de pessoas passava pelo breu carregando tochas de chama fraca. Estava dolorosamente frio, como se o tempo congelasse aos poucos também. As pessoas caminhavam na direção de uma montanha, localizada na direção contrária à entrada da tribo.

Krono perdeu de vista seus companheiros de oca, enquanto adentraram por uma entrada escondida nas rochas. Ele se apressou, passando por último pela mesma entrada. Estavam em uma caverna escura que começou a se iluminar fraca e avermelhada assim que tochas nas paredes ganharam vida.
No teto estalactites ameaçavam de morte quem se arriscava pelo caminho. Nas paredes inscrições na língua comum se espalhavam feito parte da natureza. O viajante se perdeu entre tentativas de procurar significados, mas apressou-se ao notar que mais uma vez ficava para trás. O caminho descia alguns metros em uma rampa de rochas, até chegar à uma grande caverna, coberta por gelo liso. Entre o gelo sólido haviam caminhos esculpidos na rocha, corredores estreitos feitos à mão, onde as pessoas começaram a caminhar em direção ao centro. Na parede que se dividia em duas existiam desenhos, remetendo a coisas mais antigas do que se podia imaginar. Em uma das ilustrações um homem gigante se levantava contra os humanos, noutra um corpo gigante desabava sobre uma montanha.

 Todos os presentes ajoelharam-se, despertando em Krono o reflexo de fazer o mesmo. Depois ergueram as mãos acima da cabeça, reverenciando a imagem representativa ao gigante.

- Louvado seja o Senhor Polar! – Ecoou.

Krono petrificou-se desconcertado. Para aquelas pessoas os Deuses do Inverno pareciam já não servir mais. Eles pareciam agradecer, talvez por mais uma lua de vida, talvez pela ração recebida...

Quando o primeiro homem levantou-se, os outros copiaram. Então se dispersaram como se um ritual tivesse terminado. Krono perdera a família de sua oca de vista, então encaminhou-se para a saída. Foi então que um discurso lhe roubou a atenção. Era um velho senhor, cabelos ralos, olhos cansados, pele enrugada.  Ele falava para dois homens jovens:

- Aí está o emissário do Senhor Polar! – Cuspiu o velho, assim que fitou Krono tentando passar por eles.

“Fala de mim? ”

- Quem? - Questionou Krono.

- Você rapaz!  Polar usou você para encontrar aquilo que nos traria o alimento.


“Veja só...”

Krono apenas sorriu, depois encostou-se sobre a parede gelada da caverna. O velho continuou:

- Como eu disse, Polar nunca nos abandonaria, aquela família em Coração Gelado não tem o direito de reinar sobre nós, seus deuses são frios e cruéis! – O velho disse.

Um pequeno agrupamento começou a se formar em torno dele.

- O que podemos fazer? Eles têm guardas e Observadores! – Retrucou alguém.

- Soldados de nossa tribo treinados para nos matar, quando pudermos oferecer algo melhor eles estarão do nosso lado! – Mais uma vez o velho, notando que ganhara a atenção de todos. – Proponho que o rei gelado caia perante o Senhor Polar.

- Como faríamos isso senhor Gilos? - Questionou uma mulher, incrédula.

- Temos um de nós dentro de Coração Gelado.


“Estaria louco? ”


- Quem? - Alguns quiseram saber, incluindo Krono.

- A garota Darina, ela mais do que ninguém quer vingança e poderá nos ajudar. É imperdoável o que fizeram com sua família.

- Darina tem poucos umbrais, terá medo de fazer qualquer coisa! - Retrucou outro homem.

O velho, que discursava no mais sereno dos tons, encarou o homem com repreensão. Depois estalou os lábios, como gostava de fazer para empostar a voz.

- Terminamos a vestimenta para Observadores e um de nós, se colocará dentro de Coração Gelado. Um disfarce... uma chance.

Krono soltou-se das paredes da caverna como se despertasse de um longo transe.


“Não é todo dia que o mundo cai no seu colo”


- O Senhor Polar me disse em sonho que estava destinado a lutar contra os Deuses do Inverno! – Disse de uma vez, atirando aquelas palavras e pegando todos de surpresa.


“Me precipitei? ”


Todos o encararam em um misto de confusão e alguma admiração.

- Verdade? – Gilos interviu, quando o silêncio se fez demorado.

Krono acenou com a cabeça, temendo que sua voz denunciasse a mentira.

- E por que não nos disse isso antes? – O velho espertou.

- Porque eu esperava que abrissem seus olhos para Polar. – Dissimulou. – Foi-me dito para agir dessa forma.

- Quem vive com esse homem? – Gilos insistiu.

Surgiu da multidão o casal que vivia na oca onde o viajante fora acolhido.

- Nós. – A mulher respondeu quase sem voz.

- Esse homem é confiável?

O marido respondeu positivamente com um gesto.

Alguns se ajoelharam, outros aplaudiram e o velho apenas cerrou os olhos desconfiado.

- Não está usando o nome de Polar em vão? Está?


“Imagine...”


- Ele me disse sobre o senhor. – Krono atuou, tocando o velho no ombro. – Me disse que um sacerdote levaria a tribo à ascensão e o rei Gelado à queda.

Gilos estava quase emocionado.


“Ops, fiz de novo...”


- Polar sabe quem sou? Sabe meu nome?

- Ele apenas disse quem de nós seria o primeiro a abrir os olhos.

- Sou eu! - Gritou o velho, ecoando pela caverna. – Ele falou de mim!

- Claro. - Completou Krono. – Estou destinado a entrar no castelo como Observador! E senhor a nos guiar adiante.

Todos sacudiram as cabeças afirmativamente emocionados.

- O que mais Polar te disse? - Perguntou uma mulher, abraçada ao marido.

- Disse que Coração Gelado cairá como a neve, e que um novo rei se erguerá em seu nome, não dos Deuses do Inverno, mas em nome do Senhor Polar! – Entoou Krono convicto.


“Fui longe demais? ”


Todos aplaudiram, e o velho abraçou Krono com força. Era uma lua escura para festividades, a qual o viajante abandonou algum tempo depois. Foi caminhar no gelo, sonhando com sua cama de peles quentes.


“Agora, devo pensar em um bom plano. ”


 Krono encarou sua tatuagem antes de adentrar a oca. Gaia pareciam brilhar em sua pele, iluminada pela lua escura que corria o céu até se tornar clara.


“ O destino pode não ser tão aleatório assim afinal. ”

“Rei gelado, é um prazer finalmente conhece-lo... eu sou Krono, o verdadeiro herdeiro dessa espada...”









A Era das Cinco Espadas 6

Author: Unknown /



Bons ventos!

O que aconteceu anteriormente no Coração Gelado?

Willard e Tilda, rei e rainha Gelados, resolvem presentear sua filha caçula, chamada Lena, com o que ela mais queria no mundo: uma irmã!

Tilda estava cansada de ter filhos, então arranjou uma criança na Tribo, onde sobram órfãos e, para ela, nenhuma dessas crianças negaria a chance de viver no castelo com a corte. 

Eis que Willard se lembra que mandou punir uma mulher e certa garotinha, irmã de Heik, um ladrão dos campos de descongelamento... Bingo! Eis que Darina se torna a "irmãzinha" de Lena...







Capítulo 5

A Sala de Estátuas

Willard sentou-se em frente à lareira enquanto seus filhos se divertiam com qualquer jogo alguns passos adiante. Estava em uma das duas poltronas que repousavam no tapete de peles, eram revestidas de couro e tecidos nobres vindos de muito longe. Ele tinha nas mãos um pequeno pergaminho amarelado, onde estavam escritas palavras vindas do Reino Subterrâneo. Na poltrona ao lado estava Dorth Tendan, seu velho e sábio conselheiro, no seu habitual silêncio. O rei terminou sua leitura:

- Tales Triniam foi o primeiro a agir, vossa majestade. – Começou o velho, mastigando algo com aspecto viscoso nos lábios.

- Talvez seja melhor assim. – Respondeu mais a si do que ao mundo. - Tales tem uma filha que pode ser prometida a Dovan, o Reino Subterrâneo sempre foi um temível inimigo, o que faz seus laços de amizade tentadores, quase irrecusáveis... – Já ia se perdendo nos pensamentos. - Em três luas o rei subterrâneo estará aqui.

- Deve se preparar, é seu maior negociante de óleos e madeira, talvez seja uma boa oportunidade de novas ofertas.

Willard acompanhou com os olhos as crianças enquanto brincavam.

- Faz umbrais desde a última visita, Dorth, o rei subterrâneo não costuma vir pessoalmente, ainda mais com o umbral se aproximando.

- Virá justamente por ele. - Acrescentou o velho. – Aumente sua segurança.

- Mandarei que os Observadores estejam presentes, meus soldados são poucos nessas épocas de recessão, mas um deles vale por cinco dos comuns.

- Prepare Dovan, majestade, os boatos são de que a princesa subterrânea não tem dos melhores gênios.

- Dovan é um rapaz forte, conselheiro, apesar dos deuses terem tirado sua voz, será um bom rei em meu lugar.

- Vossa majestade está sempre certo. – Concluiu Dorth. – Vou me recolher , se precisar de mim estou nos meus aposentos.

- Tenha um bom descanso.

O conselheiro deixou a sala lentamente. Assim que desapareceu pelo corredor, Tilda adentrou a sala e se acomodou ao lado do rei.

- Parece preocupado, minha vida. – Ela começou.

- Nada demais. A criança se adaptou bem?

A rainha ergueu-se como se levitasse e deixou-se cair nos braços do marido.

- Perfeitamente, perfeitamente. No começo chorava pela mãe e pelo irmão, mas logo passou com os corretivos certos.

- Eficiente como sempre querida.

- Tenho de ser uma boa mãe. – Ela riu.

- E é a melhor do mundo!

Dovan sentou-se a um canto isolado dos irmãos e encarou os pais, que o fitavam de longe.

- Está na hora de dormir crianças. - Avisou Tilda em tom suave.

- Podemos ficar mais? –Perguntou Lena, segurando nas mãos de Darina.

Foi quando a garota foi notada por Willard, esguia, com olhares cabisbaixos e vidrados.
- Não. –Respondeu o pai, firme.

Todos os filhos formaram uma fila em frente ao rei e lhe deram beijos no rosto, Darina observou tudo de longe, aguardando que pudesse sair. Então todos se foram.

- Algo o aflige, minha vida, sei pelo seu semblante. - Insistiu a rainha. – Diga.

- O rei subterrâneo chegará daqui a três luas para uma visita.

- Pelos Deuses do Inverno, preciso de vestidos! – Escandalizando-se.

- Na verdade, minha preocupação vai além do seu vestuário, minha vida.

- O que lhe preocupa?- Tilda deixou sua curiosidade exceder a breve excitação.

- Não saber o que exatamente ele quer aqui.

- Certamente quer oferecer um contrato de casamento.

Willard concordou com um aceno.

- Foi a primeira coisa que me veio à cabeça, mas esperava isso do Reino Flutuante ou do Leito, não de lá...

- Porque lhe parece tão surpreendente?

- O Reino Subterrâneo é conhecido por ser fechado entre si, preferir a pureza de seus soldados.
- Ninguém pode sobreviver sozinho nesse mundo, minha vida, talvez essa parceria que está por vir seja reflexo de seu reinado.

Willard não conseguiu convencer-se por inteiro, mas deitou sua cabeça nos ombros da esposa e deixou que os pensamentos voassem para longe.


Num dos grandes cômodos ficavam os quartos reais, ali dormiam as crianças, todas com suas camas feitas de madeira e cobertas com peles aquecidas. Lena dormia numa dessas camas, enquanto Darina ficava no chão num pedaço de peles. A pequena princesa esperou que seus irmãos as deixassem sozinhas e reabriu os olhos.

- Suba Darina, está frio.

Darina levantou-se silenciosamente e deitou-se ao lado de Lena, que a abraçou carinhosamente.

- Obrigado. - Respondeu automaticamente, como se aquilo lhe vazasse dos lábios com dificuldade.

- Você está triste hoje irmãzinha. – Constatou Lena, se sentando na cama. – O que foi?

Darina hesitou, mas falou por fim:

- Lierce contou que minha mãe está na cozinha, aquele imbecil.

Lena tapou os ouvidos, depois sorriu timidamente.

- Não diga isso em voz alta, Darina!

- Desculpe. – Respondeu, encarando o chão.

- Ele está mentindo, Lierce tem mania de inventar coisas.

- Então por que Dovan tapou a boca dele quando o ouviu dizer isso?

Lena ficou muda.

- Deixa para lá. – Desistiu Darina, virando-se de lado.

O silêncio se instaurou no quarto das garotas, até que Lena o interrompeu:

- Que tal a gente fosse até lá para você ver que meu irmão é um mentiroso?

- E se pegarem a gente? - Começou Darina disfarçando seu triunfo.

- Digo que ia beber água.

Ambas se levantaram em silêncio e passaram pelas portas de madeira do quarto. Lá fora um guarda dormia encostado sobre a parede de gelo. Lena e Darina passaram pelos corredores sem fim do castelo até a torre sul, onde se encontravam os salões de festa e a cozinha logo atrás de alguns lances de escada. Estava tão frio que seus lábios se chocavam uns contra os outros, enquanto pequenas nuvens formavam-se a cada respiração.

- Não faça barulho. - Aconselhou Darina, deixando Lena parada e escondida sobre um móvel. Então ela correu até o fim do corredor e em seguida voltou o mais furtivamente que podia.

- Quero aprender a correr assim. - Comentou Lena, enquanto caminhava em direção à cozinha principal.

Era um cômodo espaçoso e cheio de caldeirões forrados com pedras escuras, iluminado por duas tochas presas à parede, ali era congelante e solitário à noite. Tigelas permaneciam flutuantes sobre bancadas de madeira e qualquer toque poderia despertar uma sinfonia barulhenta pelo castelo.

- Está vendo, sua mãe não está aqui. - Exclamou Lena, quando dois homens surgiram pela cozinha.
Darina a puxou com força para debaixo de uma mesa, quando as pernas dos estranhos cruzaram o lugar até a saída.

- Essa foi por pouco! - Suspirou Lena. – De onde eles vieram?

- Eu não sei. – Sussurrou em resposta.

Darina estudou o lugar mais uma vez, depois ajudou Lena a sair de baixo da mesa.

- Vieram dali! Parece uma porta escondida no gelo. – Lena sentia-se excitada.

- Fale baixo! – Quase gritou Darina, então levou as mãos à boca.

- Nunca entrei ali, vamos espiar? – Sussurrou de volta Lena.

Darina sentiu o perigo se aproximar, mas resolveu ir até o fim e descobrir o que havia por detrás daquela porta.

- Vamos apenas dar uma olhadinha. – Concordou.

A porta era pesada e sólida, parecia antiga, embora não rangesse com o movimento. Através dela as duas garotas se depararam com uma sala imensa e escura. Aos fundos, onde uma janela superior doava um pouco que fosse de luz ao ambiente, podiam-se ver silhuetas fantasmagóricas sobre o gelo, mas elas estavam tão quietas que pareciam estar dormindo.

- Vamos voltar Lena, não estou vendo nada com essa escuridão. - Começou Darina, enquanto vapor fugia dos seus lábios pálidos.

Lena desaparecera pela porta da cozinha novamente, então voltara com uma tocha acesa.

- Vamos explorar, está divertido! - Disse a garota, passando os braços pelos ombros de Darina. As duas deram poucos passos, que ecoavam pelo salão tão silencioso. Assim que a primeira silhueta fora iluminada, Lena abafou um gritinho ao se deparar com uma estátua de um homem que parecia correr. – Que susto! Essa deve ser a sala das estátuas.

- Sala das estátuas?

- Lierce me contou que tínhamos uma sala de estátuas no castelo, e que eu nunca deveria vir aqui. - Riu-se a princesa. - Meio tarde demais não?

- São estátuas feitas de que? E por quem?

Lena deu de ombros e caminhou em meio às outras estátuas e a outra menina a seguiu. Mais adiante duas garotas feitas de gelo olhavam para trás apavoradas, o que fez Darina e Lena apertarem suas mãos enquanto seguiam adiante. Foi aí que a tocha iluminou a estátua ao lado: uma mulher de cabelos negros, que elevava as mãos na frente do rosto. Darina arregalou os olhos e sentiu vontade de gritar, era uma expressão de horror que ela conhecia há tempos, eram olhos assustados e envelhecidos, eram as rugas de sua mãe.

 É minha mãe! - Quase berrou.

- Fale baixo Darina, ou vão nos descobrir. - Pediu Lena, deixando seu tom de voz ecoar pela sala. – É só uma estátua!

- Você não entendeu Lena? - Questionou bruscamente a garota. – Por que ia ter uma estátua da minha mãe aqui?

Lena iluminou mais rostos até ver garotos pequenos gritando, famílias inteiras petrificadas enquanto se abraçavam. No escuro aquelas silhuetas não passavam de galhos estranhos de árvores mortas, mas a luz lhes trazia certa humanidade, o que era muito mais assustador do que monstros.

- Por que está falando assim comigo? Eu não estou entendendo o que você quer dizer. – Disse a princesa começando a desesperar-se.

- Vou te mostrar. – Retrucou a outra.

Darina aproximou-se de uma estátua qualquer e a empurrou até que se espatifasse no chão, espalhando pedaços vermelhos para todos os lados.

- O que é isso tão vermelho? - Questionou Lena, sem querer ouvir a resposta.

- É sangue Lena, não são estátuas... São cadáveres!

Lena caiu de joelhos no gelo, se apoiando com as mãos enquanto vomitava. Darina a ignorou em um choro contido e cheio de tristeza, depois tocou a estátua da mãe, tentando alcançar seu rosto. Acabou por escorregar na neve abaixo dos pés.

O corpo pequeno lançou-se involuntariamente para a frente, derrubando a primeira estátua da fila contra a segunda. Em pouco tempo um efeito dominó dominava o salão. Dezenas de estruturas de gelos transformaram-se em milhares de pedaços vermelhos no chão, num barulho estrondoso. Tochas se acenderam no alto da sala ao lado, onde uma torre era habitada por Observadores.

Lena atirou-se no chão, limpando as lágrimas que corriam por todo o rosto.

- Me dê à mão Darina, estou assustada. – Choramingou, tão apavorada que as palavras se misturavam em sua voz.

Darina sentou-se ao lado da princesa, também estava chorando, o frio era uma lembrança distante. Então a porta atrás delas se escancarou com estrondo e de lá vazaram dezenas de pessoas munindo tochas. Eram soldados armados, que se aglomeraram diante da bagunça. Por detrás de alguns deles surgiram Tilda e Willard, vestidos para o repouso.

- Lena! - berrou Tilda, indo pegar a garota. – O que fizeram com você?

Lena mal conseguia balbuciar qualquer palavra, quando abraçou a mãe em prantos. Até que entre engasgos pronunciou:

- Darina.

Todos imediatamente voltaram seus olhares para a garota no centro da sala.

- Eu... - começou Darina se afastando.

- Matem essa desgraçada! - Exclamou Tilda, segurando com força a filha no colo.
- Não! - Rosnou Lena, em seu colo esperneando.

- Leve ela para os calabouços, depois eu vejo o que farei com ela. - Ordenou o rei, enquanto encarava o salão coberto de pedaços e sangue. – Quanto desperdício!

Darina foi agarrada por dois guardas e desistiu de tentar fugir, então desapareceu pelos corredores entre protestos de Lena, segurada pela mãe.


O silêncio da noite foi retomando o lugar, até que todos começassem a deixar a sala, do meio dos Observadores e soldados ali presentes surgiu Dorth, o conselheiro, vestindo seus trajes de dormir.
- Alguns viajantes disseram que a caravana do rei subterrâneo está meia lua adiantada majestade. - Disse num sussurro. – E que... eles vêm carregados por Pentakos.

- Isso é impossível. - Rugiu Willard. – Há umbrais que não se tem notícia de domesticação de Pentakos.

- Mais importante é que chegarão muito antes do esperado.

 - Acharam que nos pegariam de surpresa... - comentou o rei. – Mantenha-me informado, conselheiro.
Um dos soldados se aproximou cautelosamente de Willard.

- Mandarei que juntem os pedaços, senhor. – Foi o que ele disse.

- O faça, precisaremos de muita comida para a visita real.- começou o rei. – Calem a garota, mas não a machuquem muito, Lena tem um apreço inestimável por ela.

O rei os deixou na sala pintada de vermelho, enquanto o choro de Darina podia ser ouvido ao longe, ecoando pelas geladas paredes do castelo. Os soldados dividiram-se em pequenos grupos e foram atrás de seus afazeres. Nas escadas, Tilda subia ao lado de Lena, ainda em estado de choque.

- Acalme-se, minha vida. - Disse ela, tornando seus olhos marejados. – Ela terá sua punição, eu juro minha garotinha, eu juro.



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